31 de julho de 2009

ataraxia.


Sempre fora uma pessoa justa, calma e imparcial. Capaz de dar o seu parecer em situações difíceis de um modo suportável para quem tinha razão e quem não a tinha, capaz de transformar uma situação péssima e quase irrevogável numa lição de moral e numa aprendizagem para o futuro e capaz de amenizar os atritos entre personalidades distintas, de suavizar as discussões que surgiam num calor infernal mesmo nas tardes de inverno.
Se havia pessoa capaz de lidar com situações difíceis, era ela. E orgulhava-se disso. Disso e de poder dizer, em voz alta e ao reflexo inseguro que via no espelho, que essa era a sua maior qualidade.


Porém, não se orgulhava de não conseguir ser imparcial em amores. E sabia, que por mais que quisesse ser, não o poderia, porque no amor, quem é imparcial não ama.
Mas ela tinha esperança que com a imparcialidade pudesse vir algo que não a destruísse aos poucos, algo que lhe fechasse o negro no peito que conquistara penosamente ao longo de uma tríade temporal.

Pedia uma solução, secretamente, que a fizesse sentir-se completa, como antes se sentira. Uma solução que a fizesse contemplar a beleza de um pôr-do-sol à beira mar por si só, sem ter que a associar à melancolia indesejada de um rosto longínquo, ou que lhe permitisse olhar as estrelas e a lua em quarto crescente sem pedir, silenciosamente, que a brisa cálida de uma noite serena, o trouxesse de novo até si, apenas para o admirar, de novo, uma vez mais.
Com certeza que o amor dela não podia ser imparcial. É que era mesmo amor. Pleno, sereno, recto, justo, forte, terno, saudoso, penoso, perfeito. Amor. Amava sem pedir em troca nada mais que a felicidade do rosto que contempla em todos os outros rostos que não interessam; amava sem desejar tê-lo, mas sim, vê-lo, para que a saudade não sufocasse; amava de alma cheia, com medo e angústia dos tempos passados, com breves lanços de esperança no futuro e com a maior dedicação no tempo do agora.

Sabia que se chorasse por muito mais tempo acabaria por matar dentro de si as possibilidades de se tornar plena, numa outra ocasião, tornando-se numa pessoa fechada, fria e só. Sabia que se acreditasse demasiado no depois, se tornaria iludida, aturdida e manipulada pelas esperanças vãs e infundadas que ninguém prometeu. Sabia que as recordações dos seus traços fortes a fariam desfalecer por dentro sempre que por inveja ou outro qualquer sentimento, alguém ou algo a fizesse lembrar-se dele. E sabia que isso seria constante. E que seria constante e demorada, a sua morte face a um mundo inexplorado.

Então, em jeitos de calma desmedida e numa ilusão ciente por si criada, criou um redoma à sua volta.
Hoje, não o chora, não o sofre, não lhe sorri sem o ver, não o deseja de segundo a segundo, não o imagina, não o inveja, não o admira, não o sonha, não o pinta, não o recorda nos retratos.

Só o espera.

Só o ama, desesperadamente, calma.

1 comentário:

  1. Já me senti exactamente como ela! E sinceramente, não gostei da sensação! Por momentos, esqueci-me de viver. Como ela, apenas esperei. Esperei por uma pessoa que na verdade, não existiu; por um amor que nunca foi sentido; por um abraço, um beijo e um sorriso que nunca veio; por promessas que nunca foram feitas e pelo alcançe de alguns sonhos inequivocamente surreais!!
    Na altura achava que estava a ser sensata! E, só há pouco tempo percebi que esperar não foi (de todo) a melhor opção e que por vezes, o melhor é não esperar! Embora seja difícil no começo, não é impossível! E no fim, acredita que a sensação é bem melhor!!!
    Não há nada melhor do que olhar para trás e perceber que superámos o que por muito tempo pensámos ser insuperável!

    Gostei muito do texto! E espero que ela tenha sorte com ele. Ou então que deixe de esperar e consiga seguir em frente. Ser feliz!! =)


    Adoro-teeeeeeeeeeeee!!

    "Pedia uma solução, secretamente, que a fizesse sentir-se completa, como antes se sentira. Uma solução que a fizesse contemplar a beleza de um pôr-do-sol à beira mar por si só, sem ter que a associar à melancolia indesejada de um rosto longínquo, ou que lhe permitisse olhar as estrelas e a lua em quarto crescente sem pedir, silenciosamente, que a brisa cálida de uma noite serena, o trouxesse de novo até si, apenas para o admirar, de novo, uma vez mais." (esta parte aqui está brutal amor!!) *

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