15 de janeiro de 2010

com ou sem, mas sempre.

Noutros distantes e idos dias, um príncipe escreveria se soubesse e um camponês riria se pudesse.


Aos olhos de quem vivia na terra, da terra e para a terra, isto nos tempos que já lá vão, as cartas de amor eram deprimentes e praticamente inexistentes. E facilmente se percebe. Que significado teria um pedaço de papel e letras pintadas, para quem, de mãos calejadas abre o invólucro da poesia, podendo ver o milagre da vida e do Criador, sempre e de perto?

Comparai a maior citação de amor ao simples pôr-do-sol e dizei-me de sua justiça o que de verdade parece mais autêntico, aos olhos de quem vive.

O príncipe, eterno apaixonado, permanecerá nos seus aposentos, cirandando e ditando as palavras que a sua donzela deverá ouvir. E alguém há-de lhe escrever essas palavras, alguém há-de selar o envelope e partir à socapa para entregar, como que um tesouro, à apaixonada do que ditou.


É um amor bonito, o poético. E estou certa que o amor verdadeiro não olha a formas.


Mas imaginai a época antiga.


Privilegiados eram os amantes do campo, que enamorados de uma moça lhe podiam mostrar o mundo ao invés de lhe escrever do sol, do mar, do vento e dos prados.
Camponeses, dariam as mãos, primeiro timidamente e depois, desajeitados, sem maneiras, porque a volúpia da procura atrapalharia os gestos. E contemplariam o que semeado estivesse, sempre juntos, com fervor no olhar.


Não teriam poesia a não ser toda aquela que sentiam.


O príncipe, dengoso, escrevê-la-ia. Encantaria os seus sonhos com as palavras. E depois, vivê-las-ia, talvez.


E um plebeu, afogado em fuligem, palha e pó, viveria o milagre da vida e do amor e ainda assim seria poesia.


A magia de um sentimento pode ser escrita e sentida nas palavras e os sonhadores apaixonar-se-ão, certamente.


Mas um homem dos terrenos concretos, cuja única poesia que conhece é a da lavra dos campos e a do vento no Outono, não tem sonhos. E apenas ama o que vê. Não pode amar o que lê, porque ainda que perceba os rabiscos erigidos num papel, isso não lhe é nada além de nada.


Por isso amemos. Das torres do castelo ou da cabana de um vale, em vestes detalhadas ou em pele despida, com música e suspiros ou natureza e gemidos, amemos. Porque a vida não foi criada para sermos unicamente diferentes e termos acesso a amores diferentes. Foi criada e agradecidos estamos ao criador, para que amássemos, como pudermos. Com saias, sem saias.
Com poesia ou com brisas ao ar livre.


Amemos, só.

13 de janeiro de 2010

mundo, meu.

Tive um mundo redondo e puro.
Sereno 
              conturbado
                                     leve
                                                    e              desajeitado.



Era um mundo e dentro dele outro e dentro desse outro outros mil.

E em cada um desses pequenos e meus mundos, havia sempre magia e reflexos. Reflexos meus e dos outros, porque aquilo que somos e em que nos transformamos, reflecte-se à nossa volta e naquilo que criamos. E só eu, tinha num mundo, mil outros mundos.
 Era um mundo cheio. Quis que nele houvesse sempre o que acho que falta muitas vezes nos mundos quando ficam mais velhos. Queria serenidade, sensatez, pureza, simplicidade, inocência.

 
E por isso atei-lhe em volta uma fita de seda clara e assegurei-me que seria para sempre assim, perfeito. Não quis que nada se desfragmentasse.
 Claro que há sempre algumas coisas que acabam por sair, por se perder e outras que se agregam e se aproximam do núcleo, com sentimento.

E durante muito tempo foi assim. Seguro. Certo. Completo. Inocente. Esperançoso (sim, mantive um hábito de contos de fadas. Lia todos os dias ao meu mundo os meus livros infantis da prateleira mais baixa do meu quarto).

E ali ficou ele, perfeito.
Imune.
Intacto.
Espectador dos outros mundos que às vezes desmoronam, mas confiante porque todos os que caíram não tinham uma fita de seda segura.


Hoje, agora, sei que nenhum mundo é totalmente certo, seguro e puro.
Hoje sei que nunca irei perder o núcleo do meu mundos, dos meus mundos.

Mas a fita já se começou a desfazer.