18 de junho de 2009

Violino

Lembrava-se do dia em que se tinham cruzado pela primeira vez. Do bom dia educado que tinham trocado e dos olhares indiferentes e normais de dois estranhos que se vêm pela primeira vez.

Agora que forçava a memória lembrava-se do vestido vermelho que vestia naquele dia e porque o tinha escolhido. Era o dia do seu concerto a solo de violino. E tinham-lhe dito que um vestido elegante deveria ser o mais adequado para a ocasião. E como não gostava de roupas elegantemente adequadas nem de roupas vermelhas, decidiu que não poderia haver melhor combinação do que aquela que fizera. Seguia as regras dos outros, quebrando uma das suas regras. Mas devia ser ao contrário. Devia fugir das regras que lhe ditavam.
No entanto, seria mais uma vez a rapariga politicamente correcta, como sempre fora.

Tinha-se cruzado com o sujeito, originalmente vestido e penteado. Era bonito e mesmo mentindo, não podia negar que o desejou seu desde o primeiro olhar. Forte e sedutor, opostamente a ela, parecia ignorar a existência de normas.

Mas tinha um concerto e um desconhecido, ainda que apetecível, não podia adiar o compromisso. Não seria correcto.

Enquanto caminhava pelo corredor vazio para o ensaio geral antes da estreia, vislumbrou dois vultos também eles politicamente correctos, a cometerem incorrecções naquele espaço apertado. Invejou-os. A sensatez não os impedia de não serem de vez em quando emotivos. E porque tinha ela que ser sempre a melhor, a mais correcta?

Esqueceu-se do ensaio.
Voltou a trás e atalhou por uma passagem que dava acesso à sala convívio dos actores.

Depois, viu-o. Como arduamente desejava.
Falou-lhe em surdina e saiu com ele até ao seu camarim.

Pediu-lhe que se virasse enquanto ela despia o seu vestido elegante e adequado e iria trocar por um adequado e elegante vestido cinzento, que completaria com um penteado simples e com o seu relógio colorido que não poderia levar ao concerto, por ser colorido e inadequadamente deselegante.

Mas ele não seguia regras, como ela sabia. E ela não só sabia como tinha esperança que não fossem os seus pedidos polidos e educados que o fizessem faltar às suas próprias regras (i) morais.

Depois, ficou ali.
Solitário e espectador.
Num cubículo inadequadamente adequado.
Um violino.

7 de junho de 2009

Spiderweb'

Calmamente, como quem procura um recanto sossegado, a aranha procurava o momento certo para construir a sua teia.
Sabia que o tempo não parava e que tinha um prazo a cumprir, mas ainda assim, ela achava que tinha tempo para tudo o que precisava fazer, quer para a sua construção, quer para a sua felicidade.

Os primeiros passos foram os mais difíceis e requereram-lhe mais tempo. Era preciso ganhar confiança, era preciso que a teia e a sua hábil construtora comungassem dos mesmos ideais e quisessem as mesmas coisas e era preciso que se adequassem ambas ao sítio que partilhavam.

À medida que adquiriu confiança, que estabeleceu laços, que se dedicou, a aranha ia ficando cada dia mais feliz e cada dia mais dependente do seu resultado final, da sua teia.

Depressa compôs as últimas linhas da teia. Estas eram as mais agradáveis de fazer. Unificavam todas as pontas em comum, solidificavam as bases que ela tinha erigido e davam segurança a toda a base, davam segurança a toda a relação. Eram as linhas que lhe colocavam os sorrisos de expressão, que a faziam querer continuar a construir sem nunca parar, sem nunca desistir, mesmo que o cansaço também estivesse presente. Eram aquelas linhas e aqueles momentos que a faziam melhor consigo mesma. Finalmente, o seu trabalho fazia sentido e a sua vida parecia valer a pena.

Porém, havia prazos a cumprir e antes que a pequena e frágil aranha pudesse alcançar o seu ténue sonho, o tempo congelou os seus fios e deitou por baixo todos os planos que ela sabia estar prestes a completar.

Faltavam apenas dois pequenos fios.
Dois pequenos fios que impossibilitaram a ligação de um sonho inteiro.

Se a pequena aranha e a sua teia tivessem antecipado um pouco os seus passos e não tivessem demorado tanto tempo nas primeiras linhas, talvez a teia estivesse agora completa e não estivesse agora o tempo como culpado.

Afinal, eram e são só dois fios por fazer.

Terão eles realmente que fazer a diferença?

AnaCatarina

1 de junho de 2009

I will miss

Irá chegar o dia em que me irei perguntar como foi possível. Como foi possível viver da maneira que vivi, nos lugares e com as companhias que escolhi.
Irá chegar o dia em que pensarei em como foram bons os velhos tempos e como me deixam saudades, de como me recordo de cada sitio, de cada rosto, de cada momento feliz ou simplesmente ridículo, de cada desabafo dito e cada confissão ouvida, de cada conversa cara a cara ou de cada conversa virtual que a convivência não pôde proporcionar, de cada sorriso e de cada despedida por muito curta que fosse, de cada minuto, de cada dia, de cada mês, de cada ano, de cada pessoa, de tudo o que foi realmente especial e que deixa saudades…

Irá chegar (não tarda) o momento em que serão proclamadas palavras bonitas, de promessas de nunca esquecer os que são importantes, de nunca nos afastarmos, de nos encontrarmos e de revivermos o que foi importante. Irá chegar (e sabemos que virá) o momento em que o afastamento será inevitável e teremos de aprender a viver novamente a vida, desta vez num sítio diferente e com pessoas diferentes.

Mais tarde, quando tudo forem apenas memórias e quando proferirmos que já foi há tanto tempo, iremos recordar com carinho cada pessoa, mais ou menos amiga, cada pessoa com quem nos identificávamos bastante ou nem por isso e serão esquecidas as diferenças que nos fizeram criticar, bem como as melhores características que nos fizeram amar e tudo será pensado e repensado com carinho. Iremos arrependermo-nos do tempo que desperdiçámos com coisas sem importância, das pessoas que perdemos por receio de nos perdermos a nós mesmos, dos sentimentos que não vivemos por não saber o que diriam e o que sentiriam quem devia sentir ou dizer.

Depressa passará o tempo e daremos por nós a quebrar as promessas que fizemos aos melhores amigos e daremos por nós a pensar em como tudo foi mudando.

E mais depressa do que eu desejo, teremos que saber despedir-nos de quem foi importante e especial, de quem gostamos demasiado, de quem temos muitas recordações, de quem conversou e compreendeu, de quem se divertiu, de quem sentiu e de quem viveu.

Mas seremos pelo menos sempre jovens nas nossas melhores recordações. Serão as recordações dos melhores amigos de sempre. Até as próprias memorias serão as melhores das melhores. Pois se a separação é inevitável, pelo menos, que as marcas daquilo que fomos, sejam as melhores e sejam para sempre.