31 de dezembro de 2010

Vira, virou.

Todos os dias são o dia ideal para tomar decisões, para formular ideais ou demarcar objectivos… Apenas se precisam fazer acompanhar da determinação necessária a isso. E é essa determinação que nem sempre está presente e por isso é que nem todos os dias têm o significado do último dia de cada ano.
O ponto de viragem de cada ano dá-nos a ideia (muitas vezes ilusória!) de um novo capítulo da nossa história, da possibilidade de mudar, renascer, renovar… Muitas vezes optamos por colocar em prática uma lista extensa de planos e valores, de ideias e sonhos, logo no primeiro dia do ano, porque é o primeiro, porque o contador ainda marca o primeiro número solitário, porque é um ano novo e ano novo combina na gíria com vida nova.
A envolvência diz-nos que as mudanças e os renascimentos podem ser possíveis e começamos o ano com esperança de um ano sempre melhor. Sim, que as coisas novas trazem sempre esperança. Sim, que quando cada etapa começa achamos sempre que poderá ser adequada aos nossos desejos. Sim, que o cada princípio, seja do que for, tem sempre mais magia.
E cada fim traz nostalgia, mesmo que tenha sido um fim triste, um fim amargo ou um fim indiferente. Juntando a nostalgia de um ano que acaba com a esperança e a serenidade de um novo marco temos a mística apropriada a este momento.
Numa mão, as saudades dos dias quentes e dos sorrisos, o orgulho de determinadas danças, músicas e letras, a emoção de um amor, de uma amizade, de um abraço… A mágoa de uma ou outra desilusão, a tristeza de um par de perdas e derrotas, o vazio de etapas por viver, as saudades do futuro que não se viveu…
E na outra, o optimismo numa nova etapa, o brilho de poder tentar de novo, a coragem para tomar resoluções, a energia para viver um ano cheio, a alegria e o sorriso aberto de festejar o princípio do resto da vida.
Por isso hoje, quando todo o mundo estiver a gritar e a distribuir sorrisos logo nos primeiros segundos de dois mil e onze, eu também o farei, com a certeza e com o desejo que o novo ano reúna em si mil surpresas fantásticas, entre amigos, sucesso, saúde, projectos, amor, planos e sonhos, para que daqui a um ano eu possa olhar por cima do ombro com orgulho do que foi feito e com a certeza de que podendo, não mudaria nenhum dia.

A todos, um óptimo Ano Novo!


24 de dezembro de 2010

Feliz Natal !

Se há época do ano em que acredito no melhor das pessoas, é esta.
Adoro o Natal e (quase) tudo o que o envolve... a partilha, a esperança, a magia, a solidariedade, a novidade, a bonança, a alegria, a azáfama, a amizade, o perdão, a oportunidade de tentar de novo... Adoro o espírito que nesta época, maioritariamente, se desenvolve nas pessoas.


Que este Natal seja um Natal repleto de magia... de sorrisos, de encontros, de surpresas, de sonhos, de amores, de perdão, de oportunidades, de esperança...
Desejo sinceramente encontrar neste Natal uma memória perfeita para mais tarde recordar com carinho.
Que o Natal deste ano seja perfeitamente inesquecível e traga a toda a gente um momento brilhante para inspirar com um sorriso a entrada no novo ano que se aproxima.

Feliz Natal !

16 de dezembro de 2010

quotes # 3



"If two people are meant to be together eventually they'll find their way back."



15 de dezembro de 2010

o culpado.

Em tempos os dias desencadeavam-se como histórias por estrear, com magia e novidade a cada virar de página, com brilhos, lições e sonhos a cada frase lida.
Em tempos os dias tendiam a ser solarengos, independentemente das nuvens cinzentas ou da rotação transtornada de um mundo histérico, alternados em surpresas e em pequenas faíscas que apenas serviam para devolver força e brilho ao conto de fadas.
Em tempos davam-se cartas genuínas e ingénuas em troca de planos, de abraços e sensações de coração cheio, sem se pensar no poder do destino, no destino do mundo e na multidão de acontecimentos que poderiam deitar tudo por terra.

Dizem que o mundo gira e que nós giramos com ele e só porque pensámos um dia ser tão maiores que o mundo isso não nos tornou imunes às voltas que o mundo dá.
E os tempos viram o mundo girar, num remoinho doloroso, arrastando consigo a menina do parque com uma folha de papel por completar na mão, fazendo-a contorcer-se em dores que lhe eliminaram o olhar.
Dizem que tudo acontece por uma razão, que tudo tem o seu tempo certo e que nada acontece por acaso… pois que seja isso tudo a explicação para as voltas que o mundo dá.

Pois que seja o destino, ocasionalmente, a desculpa para as coisas que acabam, o pretexto para os sonhos que não passaram disso mesmo, a explicação para as ilusões vistas com um par de olhos apenas, a justificação para todas as dores que nos atiram inertes e mortiços para um lugar perdido no mundo, deixando-nos nus em nós próprios, como meros reflexos da pessoa que costumávamos ser, da pessoa que podíamos ser.

E se o destino for o tal culpado que se procura que remédio temos senão aprender com ele? Estender-lhe a mão numa dança mais suave, num slow que nunca se chegou a dançar… Ou dar-lhe em voz alta um poema especial acompanhado do sorriso único que cada pessoa tem. Ou ainda abrir-lhe os braços de mansinho, chamando-o para o nosso colo, sentido-lhe a cara com as mãos e respirando todo o seu perfume como se o hoje fosse o ultimo dia.

Se o destino for essa tal razão que faz girar o mundo por esses caminhos baldios… então sejamos nós capazes de morrer e renascer as vezes necessárias, para que nem o caminho fique por percorrer e nem os destinos fiquem por viver.

25 de novembro de 2010

O morrer dos castelos.


Um dia imaginou um castelo, que edificou, que relatou, que escreveu... Hoje as ruínas dele são os meros vestígios que, ou o tempo ou as mágoas ainda não levaram. 
Como em tudo, o que prende a indecisão de reconstruir ou abandonar, é a autenticidade dos sonhos imaginados para aquele jardim repleto de memórias: um dia teria sido o palco de danças, viagens, melodias e projectos; um dia teria sido o êxtase de uma melodia a duas vozes que em uníssono se teriam mostrado infalíveis, elevando-se num plano maior que o mundo, já que o mundo não parecia suficiente para um sentimento tão épico.
É por isso que se debruça afogada em dúvidas sobre a cancela de madeira que veda o acesso ao coreto de pedra do castelo de outrora... não sabe se ainda deve sentar-se num dos bancos de pedra e esperar ou se ir caminhando, com os vestígios de um sonho para trás deixado. 
Ela que era uma princesa e, embora não tivesse o pendente perfeito que hoje procura encontrar, acreditou que a genuinidade dos seus sentimentos a protegeriam de qualquer desamor, de qualquer maçã vermelha ou roca amaldiçoada. 
Mas a vida não é um conto de fadas e os castelos hoje não existem. 
Hoje só há a princesa sentada, com um pé pronto a caminhar e uma mão presa no passado. 

22 de novembro de 2010

tudo bem.


Em jeito de baile de máscaras, há dias em que vestimos uma personagem que não é nossa... ou por necessidade ou por capricho, ou por vaidade ou por ilusão.
Muitas das vezes a máscara não vai além do sorriso que se devolve quando queríamos gritar em sons furiosos ou da expressão amigável que se responde ao invés da melodia estridente e dissonante que faríamos soar de acordo com as emoções alteradas.
Outras vezes junta-se ao sorriso complacente a expressão inocente do 'está tudo bem', que ao responder pretende ajudar à festa de duas maneiras distintas: lança o par de dança numa volta sem retorno e convence-nos a nós de que uma festa tem sempre música e por isso não pode ter só partes menos agradáveis.

Um 'tudo bem' bem treinado é um passo de dança infalível.
Deixa quem quer saber satisfeito ao mesmo tempo que nos livra da lista extensa de perguntas a que iríamos ter que responder caso a resposta fosse outra.
Com um 'tudo bem' as pessoas seguem os seus caminhos, orgulhosas pela pergunta amável e pela consciência serena. E nós ficamos contentes por não ficarem ali, a massacrarem-nos solene e dolorosamente, com mil perguntas nas quais não queremos sequer pensar.

É que quem pergunta ou não quer saber mesmo disso ou quer saber mais que isso. E a resposta é perfeita para os dois. Não se diz nada a quem quer saber mais do que pode e deve e nada se diz a quem também nada quer saber.

Fica toda a gente satisfeita com o par que recebe.
Apenas o anfitrião da festa, a quem cabe a máscara maior, com o peso de uma música desadequada, com um par desequilibrado e num espartilho apertado, que deixa a alma sufocada em dores que a máscara cobre.

18 de novembro de 2010

17 de novembro de 2010

enquanto esperava.

Hoje dei por mim a sorrir continuadamente enquanto observava um grupo considerável de crianças nas idades da pré-escola, que davam as três corridas que a educadora tinha autorizado, vestidos de xadrez amarelo, xadrez azul, xadrez vermelho e cheios de magia nos olhares.
Têm a curiosidade a exalar dos poros e não me pouparam ao olhar inquisitivo, sorrindo-me como convite para me juntar e fazendo as típicas caretas endiabradas de quem uma mão cheia para mostrar quando alguém pergunta pelo número de primaveras. 
Penso que o privilégio de ainda não terem que mostrar mais dedos é o tão simples facto de poderem dar as corridas, as três que a educadora deixa, as outras que ela finge não ver, os abraços que se dão sem porquês, as brigas instintivas e sem justificações válidas e dogmáticas... Podem agir sem ter que se justificar perante eles ou os outros porque a idade deixa que seja assim.
Dei por mim a sorrir porque sei que em tempos também eu fui assim, uma menina de corridas livres e serenas. 
Dei por mim a sorrir sinceramente porque se haveria lugar para sorrir assim seria perto de alguém que sorrindo, o faria genuinamente. 
E enquanto eu ali esperava para que chegasse a minha hora com o senhor da bata branca, dei por mim a sorrir e a desejar correr com eles, num impulso sem incoerência, num sopro mágico, num passe de genuinidade que há muito não se vive...
Só eu e os sonhos.

16 de novembro de 2010

love it.

Norah Jones - Rain


"-Se eu pudesse escolher, era contigo que eu ficava. 
-Porquê?
-Porque tu não és como todas as outras, és diferente, és melhor.
-Não funciona assim, não se pode escolher.
(...)
-Eu vou tomar conta de ti.
-Ah sim?
-Sim."

Mesmo que estas palavras percam metade do valor no décimo segundo após a sua estreia, nunca deixarão de ter o brilho conquistado durante dez segundos, em que quase devolviam o sentido a uma existência comandada e influenciada por contos de fadas, histórias de encantar e pela Anita.
Mas mesmo que meia dúzia de frases não mudem o mundo nem façam a vida parecer mais solarenga num dia cinzento, é impossível negar que quando foram lidas o céu tenha afastado as nuvens carregadas só para que o sol aquecesse por uns momentos aquele pedacinho estranho de alma que permanece estático em tons de mármore, imóvel e gelado. 

13 de novembro de 2010

Lá fora nasce o dia...



"Love hurts, love scars, love wounds' and most
Any heart not tough or strong enough
To take a lot of pain, take a lot of pain
(...)
I'm young, I know, but even so
I know a thing or two, I learned from you
I really learned a lot, really learned a lot
Love is like a flame it burns you when it's hot
(...)
Love is just a lie made to make you blue
Love hurts, oh, oh love hurts
Oh, oh, love hurts"



Lá fora começa o dia.

E pelo que ouvi não há mais ninguém a apreciar as primeiras horas claras desta manhã cinzenta.
Se é verdade que insónias nos deixam cansados, também é verdade que ao fim de muitos dias repetidos do processo começamos à procura de vantagens na desvantagem... 
Contemplar um amanhecer e assumir que se tem mais tempo para fazer o que quer que seja, ocupam os lugares cimeiros dessa lista que eu espero não completar.

thought.

12 de novembro de 2010

Já não são dias.



Tenho no bolso a poesia de um mundo irreal.
Conto-lhe histórias, ouço-lhe a respiração pausada, sonho-lhe os traços imortais...
E nesses pequenos rituais encontro a alquimia de uma infância de cor rosa.
Ou é a inocência de um pensamento ou a ternura no contemplar ou a ingenuidade na metafísica.

A poesia que me ocupa a algibeira não me deixou espaço para um mapa e dei por mim perdida nas contas que não fiz com o mundo real, oposto genuíno de uma poesia afável.
Digam que fui avisada do perigo inerente às cores com que pintei a história, digam que eu sabia de véspera para onde seguia a estrada, digam que sou eu quem caminha.
Já não é de hoje que as palavras me deixam a satisfação incompleta e nem de ontem é que a ingenuidade no amanhã pensado me deixa irrequieta e incomodada num compasso composto, sincopado.

O meu nome não era Alice mas eu achei que também combinava, pois que afinal as histórias de encantar não têm que ficar nos contos apenas, pois que afinal dizem que é assim que é.
O meu país nunca foi de maravilhas, mas eu achei que no futuro ia ser, pois que os sonhos não são só para sonhar, são para viver, para desejar, para querer...
O meu livro não começava por Anita, mas eu vi nele toda a melodia serena, toda a simplicidade encantadora, toda a magia terna que podia existir e que eu queria para mim.

Mas o bolso, repleto de uma composição poética inacreditável, pesa-me sem peso.
Deixa-me livre e acorrentada, num misto absurdo de pensamentos, de ambições, de indefinições... Prende-me à realidade, à desilusão, à mágoa de um passado.E liberta-me pela solidão, pela inexistência de satisfações, pela estrada livre que se estende.
Eu não quero ir sozinha. Mas o bolso vazio que me pesa sem pesar, diz-me sem rodeios que já não há com quem viajar.

E os dias sem viagens, os dias sem sono, os dias sem brilho... já não são dias.

11 de novembro de 2010

enquanto dormias.


O mundo gira, dizem, mas eu não o senti nunca girar, tirando daquela vez em que girou depressa e da outra em que me fez dançar, tirando as mil vezes em que me senti tonta por ele e as outras tantas em que de tanta volta me tive de sentar.
Mas fora isso, parece-me sereno, imóvel... um pouco pálido até. Não é senhor de muitas conversas e nunca se sentou comigo para um chá. 
Acho que é por isso que ainda não somos amigos. 
Faltou o chá, a bolacha de manteiga com um toque de canela e a conversa sincera que acaba com insultos e piadas intriguistas à mistura.


Afinal, para que a relação possa resultar é preciso haver diálogo e se eu quero viver neste mundo (ou pelo menos se a minha vida passa inicialmente por viver neste mundo), é preciso saber falar com ele, afagar-lhe a mão, levá-lo ao parque da cidade e comprar-lhe um postal que ele possa guardar. 

Então hoje, enquanto dormias, estive à conversa com o mundo e como éramos ainda dois estranhos, contei-lhe os meus pensamentos sem medo do que ele fosse pensar, porque como éramos estranhos o ponto ainda estava no zero e não se pode desiludir ninguém quando se está no ponto inicial, não é?

Falei-lhe das cartas que faltam no baralho ou visto de outro ponto, do baralho que falta nas cartas; contei-lhe dos muros que caíram nas estações passadas e nas folhas que o vento primordial de Outono espalhou consigo.
Disse-lhe do que mais sinto falta e percebemos logo que tínhamos assunto para mais encontros (que ao que parece somos os dois deveras saudosistas).
Mas foi quando lhe segredei, sem arrependimentos, que por algum motivo tinha perdido o norte e a orientação nas horas banais do dia, que ele confessou que também andava assim.
Pelos vistos o mundo está perdido, como eu.
E soube isto tudo, esta noite, enquanto tu e o resto das pessoas do mundo, dormiam.

9 de novembro de 2010

a pessoa.

Eu já acreditei que poderíamos encontrar a pessoa que idealizámos para ser felizes para sempre. Eu já acreditei que as pessoas tinham todas um fundo bom. Eu já acreditei que o amor seria sempre verdadeiro e vencedor.

Mas (que há quase sempre um 'mas') a vida mostrou-me que as histórias de encantar não são para todos. 
Homem alto, charmoso e cavalheiro, salva donzela de uma vida amargurada e vivem felizes para sempre? Não... nem por isso.

Ainda que se elabore uma lista de características que desejaríamos encontrar na pessoa que amamos, isso dificilmente coincidirá na totalidade porque aquilo que idealizamos, quando toca a pessoas e a personalidade, não é simples de moldar, de mudar, de consertar...

Mas se eu pudesse escolher...

Ele teria O olhar. Não queria saber nem de olhos castanhos ou verdes, seria apenas preciso que ele fosse capaz de me fazer sorrir e corar com o olhar, de me convidar a entrar assim que nos olhássemos.

Teria O sorriso, esguio e travesso, num misto de perigo, sedução e ternura, entre doce e proibido.
Precisaria de saber envolver-me as mãos e de brincar com elas, que as minhas mãos são a parte que eu mais gosto em mim, e ainda teria que saber como abraçar-me sem me magoar ou sem me deixar indiferente.

Saberia fazer-me sentir segura quando estivesse por perto.
Gostaria de música, de literatura, de cinema e de futebol. 
Saberia surpreender-me buscando-me para ir ver as estrelas num passeio a pé ou levando-me um poema e um ramo de flores acertando nas tulipas ou nas margaridas e sabendo que eu ficaria feliz se o poema tivesse sido escrito pelo próprio.
Lembrar-se-ia de me agradar sem motivo ou data, seria sempre honesto comigo e saberia como me dizer que eu estava a fazer as coisas erradas, de um modo errado, no tempo errado.

Seria um pouco o meu contra-balanço, revelando uma parte mais racional, teria o espírito de explorador e não me negaria os sonhos quando lhe contasse que adoraria viajar até à Escócia, ao Reino Unido, a Praga, a Itália, à Índia, a Nova Iorque, ao México...acrescentando pormenores ainda mais avassaladores à minha lista de desejos.
Convidar-me-ia para ir a concertos com a mesma facilidade que me viria pegar para comer um gelado de caramelo com pedaços de amêndoa.

Iria respeitar-me como eu fosse e seria sempre sincero, mesmo quando a verdade pudesse doer. 
Saberia apreciar-me, saberia ser ambicioso, saberia ser estupidamente e genuinamente divertido, saberia ser perspicaz e sedutor, com um toque de malicioso em determinadas ocasiões.

Iria fazer-me sentir importante comigo e para ele, lutaria por nós e dar-me-ia as cartas mais bonitas de amor.
Iria saber falar inglês, saberia tocar um instrumento e um dia escreveria uma canção para mim. Ou se fosse um pintor, pintar-me-ia um quadro. Ou sendo um escritor, escreveria um livro, um poema, um conto, para mim, de mim, comigo.

Seria mágico, simples, cúmplice, amigo, doce, sedutor, divertido, verdadeiro, consciente...
Conseguiria fazer com que eu me apaixonasse, todos os dias, de novo por ele. Como se cada dia fosse o primeiro. E amar-me-ia, todos os dias, incondicionalmente, de um modo único, mágico e exclusivo, sem precedentes.

Mas no fundo isto quase nunca interessa, porque quando se gosta de alguém que entra nas nossas vidas, dificilmente podemos escolher ou abdicar disso.
Se gostaríamos de primeiro observar os candidatos, aprovando-os ou não e depois saber que destino lhes dar? Gostaríamos.
Mas na verdade acontece ao contrário... 
Apaixonamo-nos, verificamos a lista de pontinhos que fomos criando ao longo dos tempos e depois eventualmente assumimos que tudo isso terá sido em vão e que o protótipo de pessoa certa nada tem a ver com isso.

É disso que se trata, não é? De uma surpresa? 

8 de novembro de 2010

insónias.


A primeira vez que o sono me falhou, de maneira forte e demarcada, sem querer ou razão, eu aproveitei para conhecer o meu quarto em horas tardias, explorar-lhe as novidades trazidas pela ausência de luz do momento, conhecê-lo com olhos de pessoa cansada mas sem vontade de dormir. É que ter vontade é diferente de ter necessidade.
Mais vezes se seguiram e ficando resumidas a número nenhum as novidades do meu canto, durante a noite, ficar acordada quando todo o mundo dorme e quando o corpo realmente precisa, deixou de fazer o pouco sentido que alguma vez tivera.
Como é ficar acordada enquanto todo o mundo dorme? E ver o nevoeiro que ninguém vê? E sentir a singularidade de um riso na rua que mais ninguém ouve? 
Eu sei-o, com maior frequência do que a que seria normal.
Talvez fosse até normal. Talvez eu pudesse manter este ritmo.
Mas não pode ser, não é? 
Pois não, que o Sol só brilha durante o dia e a noite só assim é quando o Sol se foi. 
Pode pois, que eu já tive um Sol que brilhasse tanto que as noites pareciam dias e os dias pareciam tulipas colhidas num abraço forte e eterno.
A questão está no sentido das coisas, no que elas têm e no que eventualmente lhe damos.
É isso que faz a diferença muitas vezes, quase tantas, como as vezes em que a diferença é feita não pelo sentido das coisas, mas pela sua falta.  

6 de novembro de 2010

o cair da folha.





A folhas caem em tons acastanhados e de amarelos outonais, como se fossem peças que se vão despindo aos poucos só para ver um pouco mais.
Mas no Outono não se quer ver um pouco mais... Quer-se sempre.
Só que os tons provocados ou pelo nevoeiro que cai à noite, ou pelo sentir de fumo das primeiras lareiras acesas, ou só pelo cair das folhas, provocam em nós essa vontade de ver mais.
Trocando a folha e sendo o tronco o mesmo, as árvores que preenchem as calçadas e os quintais da vila, continuam a ser as árvores que preenchem as calçadas e os quintas da vila.
Mas e nós, que queríamos ver mais, ao trocar e deixando cair as roupas que se espalham sem vento, seremos só nós, iguais a nós mesmos?
São as roupas as folhas, nós os troncos e o Outono a mudança?
Não.
Porque temos em nós todas as estações do ano, todos os dias, em cada sorriso ou em cada olhar, em cada sentir ou pensar.
O cair da folha só deixa a vontade de ver um pouco mais, de ir um pouco mais, de sentir um pouco mais...
Isso e a melodia de fundo que o cair da folha faz sentir, deixam em nós o panorama mais bonito para despir as roupas que nos apertam o ser.
É só deixá-las cair como caem as folhas.
Afinal todos os dias as folhas caem, quer seja Outono lá fora e Primavera cá dentro.

3 de novembro de 2010

"i wanna hold you so much"



Esta seria uma daquelas músicas perfeitas para acompanhar momentos memoráveis, capazes de realçar o melhor de um mundo demasiado pequeno para alcançar um estatuto de magnanimidade. É que são os momentos de magia, de cumplicidade, de espontaneidade que tornam o mundo mais colorido. 
Seria aquela música que daria voz a uma inexistência total de pensamentos, de razões... Só a música, só o pulsar de emoções, só os sentidos elevados a uma potência máxima.
Só a vida.

2 de novembro de 2010

a ida da morte.

Ás vezes a morte também morre. Sim, que a morte é tão mortal que se mata a si mesma.
E ela, logo ela que tem esse ar malévolo de quem ceifa vidas sem dois segundos precisar, morre como morrem as outras coisas susceptíveis disso mesmo.

Fecha os olhos e num último suspiro, perde forças e voa deste mundo para outro sítio que não se sabe e também ninguém quer saber, porque se já na vida ninguém quer saber da morte, na sua partida então ninguém a pretende seguir.
Não deixa saudades e ninguém fica com pena se ela perdeu a consciência nos últimos minutos de vida, se lhe doeu a cabeça ou o coração ou se alguém lhe segurou na mão até acabar. Afinal é a morte.
Mas lá porque morre não quer dizer que vá e não volte.
E morre de quê, pergunto-me e respondo eu.

Morre daquilo que formos capazes de a matar.
Afogada na panóplia de dias em que lhe escapamos para abusar dos limites de felicidade humana ou carbonizada no brilho alucinante dos sorrisos provocados pelas coisas mágicas da existência. Torturada pela força dos abraços apertados roubados ou oferecidos ou ainda atingida mortalmente por cada disparo provocado por danças frenéticas e espontâneas, vividas sem pensar.

Nem se escolhe a forma mais ou menos dolorosa porque quando se trata de matar a morte com os instantes oferecidos e roubados à plataforma mais alta de felicidade, não se quer pensar.

A morte, só porque é a morte, não exige que se pense com muita consideração, mas pelo menos morre sempre com dignidade.

Haverá melhor forma do que morrer pelos abraços sentidos e longos, pelos sorrisos provocados em altos padrões ou pelos olhares que de tão brilhantes que são conseguem inundar qualquer dia cinzento? 
Ou então porque não morrer do êxtase provocado por rodas que se dão enquanto se dança, porque não partir do mundo enquanto se envolve alguém num olhar e num toque suave e desafiante ou numa canção a uma voz que nos deixa capazes de harmonizar tudo o que dissona em  nós?

A morte morre, uma vez, duas vezes, três e muitas vezes, tantas quantas as vezes que a soubermos afastar de nós.
Morre de mansinho e retorna. 
Morre devagarinho e volta mais. 
Morre com cuidado e renasce. 
Morre a morte, sem nós, tantas vezes. 
E de cada vez que ela morre, sabemos porque morreu sem mesmo fazer autópsias macabras… Morreu porque vivemos mais próximo do limiar exponencial de felicidade, porque alcançámos os patamares mais brilhantes que apenas são permitidos às estrelas maiores.

1 de novembro de 2010



quantia certa.

O limiar entre a vontade e a coerência é ténue e complicado.
Como é que contornamos a voz intrometida que desponta em argumentos lógicos para seguir o impulso lascivo que se solta de todos os nossos milímetros corporais?

Medem forças, lado com lado, numa rivalidade ocasional.
Se puxam os dois para o mesmo lado, então o mundo é perfeito e pequeno para alcançarmos as metas. Se não, deixam simplesmente um estado de intermitência dolorosa. Ir ou não ir, fazer ou não fazer, aproveitar ou abdicar… São coisas que não se sabem, quando os nossos pólos, motores de acções, discutem entre si.

Dizer qual deve levar a melhor é complicado e quase nem vale o esforço de uma tentativa para desvendar a charada.
Se fosse um jogo, procurar-se-ia um empate, favorecendo ambas as equipas. Mas os jogos são coisas perigosas, com regras ou sem elas, com expectativas de parte a parte… o que nos torna a nós ou em jogadores profissionais ou em pessoas que cedem facilmente à atracção de um jogo assim, num jeito amador e desprotegido.

Sentir e pensar, lado a lado ou de costas contra costas, tantas vezes a deixar cair a vida em confusões, em indecisões, em não saberes, não quereres, não viveres.

Desatem-se os nós na razão, amarrem-se as cordas bambas em emoções… Dê-se equilíbrio à pessoa que somos, numa procura pelo mais certo, pelo melhor, pelo mais autêntico e próximo de um empate em nós. 

Empatando o dever com o querer, atingimos o auge da nossa realização… multiplicamos o prazer ao máximo e alcançamos o melhor que a vida tem, em cores várias, em formas múltiplas.

Basta isso, o empate. Dever e querer a uma só voz.

25 de outubro de 2010

Unplayed piano.



Outra música daquelas que eu adoro.

A beleza e a magia das músicas que nos tocam está na forma como nos fazem sentir sem mudar nada. Num passe de magia fazem de nós as melhores pessoas, nos melhores momentos, com os melhores pensamentos.
E também há aquelas que deixam saudades devido ao seu timbre, devido ao que dizem enquanto cantam.

A saudade é um sentimento muito forte. 
Deixa-nos atormentados com as memórias que não se repetem, com o brilho dos pedaços mais felizes que fomos e até com aquilo que não chegámos a ser...Sim, que nós temos saudades daquilo que nunca tivemos.
Só queríamos outro abraço ou outro sorriso, outro beijo ou outra conversa... Ou então só queríamos aquele abraço que não chegou e o momento que não passou dos sonhos.
Conseguimos ter mil saudades ao mesmo tempo, mesmo quando não há nenhuma música que nos toca a caixinha de música dentro de nós.


senhora da rua.

 É uma senhora ordinária, no sentido de banalidade da palavra, que se acotovela no parapeito da janela do quarto de sua casa, com vista para a rua. A rua tem um nome e chamam-lhe a rua da Subida. E a senhora, que nome tem mas não interessa sequer para história, costuma ficar a ver as pessoas subirem a ladeira e descerem a Subida. Engraçado não é?,  as contradições literais em que se pode entrar por causa de um nome apenas…

A senhora é da rua. 
Vê as gentes passar com o tempo e o mundo dela gira com esse passar e com esse ver.  A vida dela é absurda e de tão absurda que é, quase nem existe.

É uma sonhadora e imagina as histórias de vida das pessoas que percorrem a Subida.

Ora são uns velhotes ainda apaixonados ou uns idosos suficientemente cansados das loucuras do amor para procurarem outro parceiro para partilharem as arrastadeiras.
Ora são uns jovens de calças rasgadas e cabelos desgrenhados pelas imbecilidades que acabaram de fazer no parque de cedros e amores-perfeitos no cimo da rua ou são uns casais de moços apaixonados que acabaram de descobrir no amor a sua doçura aliada à insensatez.
Ora são pessoas com sacos na mão ou pessoas com sonhos na cabeça, pessoas com caras tristes ou pessoas que vivem da comiseração alheia, pessoas com sorrisos de quem tem uma vida esplêndida ou pessoas que escondem os problemas por baixo da pele inventada.

A senhora da rua anda o dia inteiro à cata dos sonhos, dos problemas, das alegrias e das tristezas dos outros… com esperança que isso resolva a sua vida.
E sabe bem que a sua postura é inadequada para um ser humano - ou pelo menos para um ser humano que queira ser feliz - , mas ainda assim ali continua, presa ao parapeito corriqueiro e à Subida que se desce também.

Às vezes abre a janela para ouvir as vozes dos domingueiros que se passeiam na Subida todos os dias da semana. 
E copia as palavras para cada livrinho.
As bonitas para o livro de cabeceira, as insensatas não copia. As sábias para o livro de cabeceira, as parvoíces não copia. As apaixonadas para o livro de cabeceira, as de desprezo não copia.

O livro de cabeceira tem os sonhos e ela sonha que alguém lhe diga todas essas palavras que copia da rua, do mundo dos outros, do mundo onde as pessoas até descem a rua Subida.
A simpática senhora sabe no fundo que cada pessoa também olha a rua para viver a sua vida, em busca de um modelo de personalidade melhor, em busca de soluções ou reconfortos ou apenas para passar o tempo vazio dos seus mundos, vendo os tempos vivos dos outros.

Ali, àquela janela e na rua da Subida, o que a senhora parece não saber é que o mundo é cá fora, no redoma de vidro e dos cortinados encarnados… mas quando souber, quando tiver já escrito no livrinho de cabeceira as vezes suficientes de que o mundo está à espera para ser vivido, quando rasgar os cortinados e a vergonha que lhe atravessa, infundada, a alma, sairá rua fora, subindo e descendo a rua, passando à frente das janelas de outras senhoras da rua que vêm a vida passar, subir e descer na Subida, que esperam as suas reviravoltas também. 

rebelião.



As maiores revoltas são absolutamente silenciosas e invisíveis. 
Ou estamos a percorrer as ruas, de mãos nos bolsos e o olhar ausente ou estamos sentados num qualquer banco solitário à mercê da vista corriqueira de quem passa e olha sem ver, ou estamos sozinhos rodeados de pessoas que nem ouvem nem vêm o que dentro de nós corre... ou estamos noutro qualquer cenário de todo banal.
Não creio que haja nada mais complexo do que aquilo que cada pessoa guarda dentro de si e aquilo que faz com tudo o que possui. 
Muitas vezes, quando os sistemas que nos coordenam começam a falhar perante o mundo, aquilo que nos falta e aquilo que nos sobra conspiram com o resto do universo uma revolta, secreta, transparente e penosa. 
E quando ela acontece o melhor que fazemos é aceitar as mudanças e as retaliações.
Avaliar, objectivar, ceder, afirmar, melhorar, justificar: todos verbos com significados profundos quando o problema somos nós.
Por muito que se pretenda, dentro de nós, o clima nunca é pacífico num plano a longo prazo. As revoltas irão aparecer de tempos a tempos, quer feitas por nós, quer provocadas em nós.
Quando chegarem será preciso ter a firmeza para as levar connosco, no melhor caminho, até ao fim.
Porque no fim, contas feitas às retaliações e às mudanças, se não tiver valido a pena já saberemos onde regressar... Mas o melhor é que quase sempre vale a pena. E o sentimento de realização, de plenitude, de orgulho... vale a pena, vale muito a pena.

23 de outubro de 2010

love it.




Exogenesis Symphony: Ouverture.

Exogenesis Symphony: Cross-Pollination.

Exogenesis Symphony: Redemption.

Adoro-os... absolutamente!

quotes # 1

"Because without the bitter, baby, the sweet ain't as sweet." 
in Vanilla Sky.

Certo, certo e certo.

 Certo tal como o valor que damos às coisas quando as perdemos, tal como as saudades que sentimos quando por perto as pessoas queridas não temos, tal como o valor que damos aquilo que recuperamos após termos penado pela sua falta...

É por isso que o primeiro sorriso, depois da total ausência de expressões faciais felizes, é sempre o mais sincero e é por isso que guardamos na memória o primeiro abraço daquela pessoa e o segundo primeiro abraço, o terceiro primeiro abraço, o quarto primeiro abraço... 

É que quando perdemos as pessoas por algum tempo, quando as voltamos a ter connosco, temos as primeiras vezes de novo. 

Porque o amargo da ausência devolve a doçura terna das primeiras vezes a certos momentos. Porque o escuro de um período nos mostra a verdadeira pureza de um pedacinho de luz. Porque foi esse caminho estranho que nos mostrou o valor de outras coisas maiores. 

Precisamos dos dois para termos como avaliar. E nós, que somos seres humanos e por isso seres complicados e complexos, com propensão à complexidade exacerbada e à complicação desintegrada, queremos avaliar-nos a nós, aos outros e a nós com os outros. 

O doce e o amargo alimentam-se, mutuamente. 
Sem o amargo, seríamos ser fúteis e superficiais, incapazes de valorizar as coisas mais simples e mágicas da vida. Sem o doce viveríamos acostumados com a penumbra, atados a um banco de pedra fria, vivendo sem prazer e a julgar que a vida era assim, desprovida de brilho. 
O bem e o mal, o doce e o amargo, a metade e a outra metade... resumir-se-à quase tudo a uma questão de equilíbrio?

Seja como for... Because without the bitter, baby, the sweet ain't as sweet. E ainda bem que é assim.


22 de outubro de 2010

leituras.

"Pode ser o perigo que o atrai, pensa. O facto de estar a transpor um limite perigoso. O facto de cada carícia roubada através da objectiva da câmara ser potencialmente letal para ele.
Ou pode ser simplesmente o facto de ela pertencer a outro.
Até agora, ele nunca se apaixonou. Assusta-o um pouco: a intensidade dessa emoção, a maneira como o rosto dela se intromete nos seus pensamentos, a maneira como os seus dedos traçam o nome dela, a maneira como tudo, de algum modo, conspira para que dela nunca lhe saia da cabeça...
Altera o seu comportamento. Torna-o contraditório; ao mesmo tempo mais e menos tolerante. Quer proceder da maneira correcta, mas, ao agir assim, só pensa em si próprio. Quer vê-la, mas quando isso acontece, foge. Quer que dure para sempre, mas ao mesmo tempo deseja que acabe.


(...)


Os demónios foram feitos para serem vencidos. Talvez não com força bruta, mas com inteligência e astúcia. Já sente a semente de um plano a começar a germinar-lhe no subconsciente. Olha mais uma vez para o seu reflexo, endireita os ombros, limpa o sangue da boca e, finalmente, começa a sorrir.
Não se eu te matar primeiro... 
Porque não? Afinal, já o fez antes. "

É muito mais que um romance banal em que tudo gira à volta de amor.
É repleto de complexidade, personalidade, obsessão... de inteligência que se confunde com calculismo.
Tem um toque fenomenal sobre o poder das cores, sobre a influência das rotinas e dos padrões.

Do que li, gosto. Gosto muito.

21 de outubro de 2010

love it.



Hoje dei por mim a sorrir perante o som que uma mala de viagem provoca ao passear-se na calçada. 

Foi isso e a sensação de espontaneidade, a sensação total de liberdade e misticismo, que a mala às costas e o bilhete na mão deixam sentir e que aquela bagagem que levamos nos faz absorver.


Gosto disso... dos bilhetes na mão, dos sentimentos livres, da ansiedade dormente, da saudade e da expectativa, do desejo pela novidade. 

É bom ir, por ir. Ir porque se quer, porque se precisa, porque faz bem... Ir porque sim. 

E é bom saber que se vai voltar e ter esperança que ao regressar o mundo dance melhor e que a música tenha apanhado o ritmo.

E eu sorri. 

Sorri porque há o ir e o voltar. 

20 de outubro de 2010

Reticências

"Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na acção. 
Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado; 
Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa! 
Vou fazer as malas para o Definitivo, 
Organizar Álvaro de Campos, 
E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem — um antes de ontem que é sempre... 
Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei. 
Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir... 
Produtos românticos, nós todos... 
E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada. 
Assim se faz a literatura... 
Santos Deuses, assim até se faz a vida! 
Os outros também são românticos, 
Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres, 
Os outros também levam a vida a olhar para as malas a arrumar, 
Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos, 
Os outros também são eu. 
Vendedeira da rua cantando o teu pregão como um hino inconsciente,
Rodinha dentada na relojoaria da economia política, 
Mãe, presente ou futura, de mortos no descascar dos Impérios, 
A tua voz chega-me como uma chamada a parte nenhuma, como o silêncio da vida... 
Olho dos papéis que estou pensando em arrumar para a janela, 
Por onde não vi a vendedeira que ouvi por ela, 
E o meu sorriso, que ainda não acabara, inclui uma crítica metafisica. 
Descri de todos os deuses diante de uma secretária por arrumar, 
Fitei de frente todos os destinos pela distração de ouvir apregoando, 
E o meu cansaço é um barco velho que apodrece na praia deserta, 
E com esta imagem de qualquer outro poeta fecho a secretária e o poema... 
Como um deus, não arrumei nem uma coisa nem outra... "

Álvaro de Campos, in "Poemas" 

18 de outubro de 2010

Uma página sem título já o tem e é esse mesmo.
Lá porque não lhe deram um nome bonito não quer dizer que se vá embora com o primeiro vento ou que voando, voe só um momento.
É que o título nem lhe pesa nem a faz mais leve, só lhe dá nome. E o nome só serve para isso, para denominar.
Não é o nome que damos às coisas que definem aquilo que elas são na realidade.
As coisas são as coisas, como são, com os sentimentos que provocam e os momentos que despertam.
Os nomes das coisas são só os nomes das coisas.
Uma coisa sem nome só assim fica até eu resolver rotulá-la. E nem precisa de fazer sentido para ter nome ou não ter.
Mas não mudou nada do que é por isso.
Não é a ausência de um nome concreto para uma parte da nossa vida que lhe retira os valores, os pressupostos, os erros, as lições, as perdas e as vitórias.
O nome é só isso e a falta dele, disso não passa.

reticências.

Antes de ser não  eras de todo,
Nem o sonho, nem vida e amor tão pouco.
Não sei porque chegaste ou porque te busquei,
Se de ingénua me enganei, de ingenuidade morri.

A vida, numa dança cruel, dança,
Um ritmo estupefacto e deslavado,
Sem sedução, música ou esperança.
Não há sol, não há céu, só passado.

As reticências colocadas, com espaço p'ra versos loucos
Que a vida inconsciente escreve aos poucos,
Que os outros não lêem, nem sentem ou levam,
Mas quando alguém perde, eles não perdem.
(Porque só quem ama e tem, perde e perde bem)

Os espaços deixados por preencher ficam até deixarem de o ser.
E essa dança que a vida rodopia, num vai e vem,
Deixa o mundo embriagado de solidão respeitosa,
Encharcado em água ardente de incertezas.

O que fica, ficando se deixa.
O que foi, sendo ficou.
E o que se viveu,
Sem se viver afinal,
Já não volta, já não vem,
Mas dói igual.

14 de outubro de 2010

Digo que.

Eu na verdade gosto de política, gosto de saber a quantas anda (ou não anda) o nosso Governo (ou a falta dele), de ouvir as discussões de ideais e perceber em que ponta eu puxaria. Não sou de ideias radicais e detesto o conflito erróneo que se faz, das coisas erradas, com as pessoas erradas e pelos motivos errados.

Também sei que é fácil apontar defeitos, dizer o que se fazia se fossemos nós a decidir, achar que o mundo seria tão melhor connosco no poder. Somos, fazemos e acontecemos. É assim, quase sempre, não é?
Bem, não é. 

Cada pessoa deve conhecer-se e saber para que competências está talhado. Se alguém se predispõe a exercer a nossa representação, levando a cabo os nossos interesses, assumindo-se como competente para tal, é-nos de direito apontar quando discordamos. 
Devemos estar predispostos a fazer algo. Não apenas a apontar os pontos fracos e a criticar mas também a mostrar disponibilidade para fazer mudança. Como? Pelo menos votando, lendo e ouvindo as boas novas do país, dando a palmadinha nas costas quando se cai e apertando a mão para festejar. Interessando-nos pelo menos, não só para dar o ar de 'ah e tal que culto que eu sou',mas para saber com que linhas nos cozemos. 

Tomar consciência.

E a minha consciência diz-me que o país não vai. Vai arrastado por forças desconhecidas, rolando na sua figura balofa de calças número cinquenta com o cinto a apertar a gordura das classes altas e com os dedos dos pés bem apertados nuns sapatos de pele banal num trinta e cinco de formato pequeno. 

Estão a imaginar? Uma figura de cintura em forma de barril, com passos bem mais pequenos, quase idiotas, aos pulos que a panóplia conjuntural ainda permite dar. 

É, está complicado. Eu não sei que opções sugerir mas sei que o caminho também não está fácil. Está tortuoso e a torturar. 
Dói-nos o peso da má gestão, a descompustura internacional, a respiração sustida pelas medidas e pesos que se impuseram. 

Afaga-nos a vista o visibilidade alcançada pela eleição de Portugal para membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU para o biénio 2011-2012, fazendo par com a Alemanha. 
Servirá, talvez, para mostrar ao mundo que somos um rectângulo pequenino com potencial para explodir em valores, recheados de tradições, pontos vitoriosos de património cultural. 
Pois é, somos um tesouro (escondido ou camuflado, é certo!), pronto a brilhar ao abrir a tampa do baú. 
Só falta isso, não é? 
Abrir a caixinha e sair ao mundo, mostrando o valor que se tem, que não é pouco nem muito, é demais.

13 de outubro de 2010

quando uma vem, nunca vem só.

Quando temos saudades de alguém, temos saudades dessa pessoa ou da pessoa que éramos com ela?
Será que sentimos saudades de todas as suas características ou sentimos a falta das características que realçávamos em nós quando estávamos juntas?

Talvez uma coisa leve à outra. Não poderei sentir saudades de alguém sem sentir verdadeiramente a falta da sua pessoa, daquilo que era, do seu sorriso e do seu olhar, da sua voz, da sua simpatia ou da sua falta de paciência, da sua inteligência ou do seu temperamento, da sua exigência ou da sua preocupação sincera, da sua excelência ou do seu virtuosismo. Do mesmo modo também me é impossível admitir que sentir saudades de alguém não me faça sentir saudades de mim... Dos sorrisos e dos olhares brilhantes, dos planos e dos sonhos fantasiosos e mesmo assim para cumprir um dia, dos momentos de êxtase e autenticidade, dos instantes de cumplicidade... Do tempo que se perdeu (mas que não se perdeu de facto, porque nunca se perde tempo com quem é importante!) a tentar retribuir todo o calor sentido, da magia que se sentia na companhia de quem parece ter voado para longe.

Diria até que se possa ter mais saudades de nós mesmos do que saudades dessa pessoa. Podíamos ter apenas saudades nossas e da nossa felicidade na companhia de quem não está. Mas mesmo assim, tudo isso estaria devidamente justificado com a outra pessoa.
Foi quem nos faz falta que nos despertou tudo isso. Foi quem foi que nos fez ser quem fomos.

Não poderíamos sentir saudades de alguém que pelo menos num momento sequer, nos tivesse feito felizes ou orgulhosos, nos tivesse despertado sorrisos, abraços espontâneos ou olhares amorosos.

E se por acaso nós não tivéssemos sentimentos, então a história seria outra. Apenas nos importaríamos com o nosso bem-estar e quereríamos essa pessoa por perto para nos elevar de novo ao topo onde havíamos chegado.

Mas não. Nós somos máquinas sentimentais, com planos e sonhos e outras coisas que nos deixam em patamares no mundo da lua.
E por isso sentimos. E sentimos a falta dos outros.
Pelo que foram. Pelo que nos fizeram ser. Pela beleza que tinham e faziam o nosso mundo ter. Pela música que saía da sua alma, pelos toques suaves e pela calma, pela festa interior que realizavam... E por conseguirem uma partilha bem plena de tudo isso connosco.

Assim as saudades são sempre duplas. Conseguimos sentir saudades de nós e da pessoa que nos levou a alma. Dos nossos sorrisos e dos sorrisos dela. Dos nossos sonhos e dos sonhos dela. Do nosso mundo e do mundo dela e dos dois juntos, quando num só se metamorfoseavam.
É por isso que doem sempre. Dói-nos o nosso peito e o peito do outro.
Dói-nos a nossa e a saudade do outro.
Quando uma saudade vem, nunca vem só. Traz sempre outra, sem sensibilidade nem dó, para se certificar que se uma apenas faz moer, a outra vem, senta-se e fixa-nos, até doer.

12 de outubro de 2010

só assim.





Penso que há certas coisas mais bonitas à noite,  outras que ao amanhecer têm uma aura mais especial também e certamente que o pôr-do-sol traz magia a outras coisas também.

Ao olhar, pela noite, a cidade, apercebo-me de que há certas coisas que só se podem perceber com a escuridão da noite e com o brilho sedutor das luzes longínquas e que nada nos dizem.

Há coisas que têm que ser, há outras que são porque são, que estão, vão e ficam porque sim.

A aura envolvente de uma noite terna e de um céu limpo e aberto diz-me que tudo tem o seu tempo na vida.

Desde cedo que os nossos professores nos ensinaram que havia tempo para tudo. Mas na altura como o intuito era dizerem-nos que também era importante estudar e empenhar-nos nas lides escolares, a profundidade do pensamento passou-me discretamente. 
Mas voltou. Aliás, muito do que passa por nós no decorrer dos tempos, volta. 
O que damos, é-nos retribuído, acredito, um dia.

É por isso que essa lição de pequena me veio à memória. 

Tudo tem o seu tempo, de verdade.

E é preciso aceitar isso. 
É preciso olhar o mundo, nas diferentes horas do dia, vê-lo e percebe-lo, conhecendo-o aos pouquinhos e dando as mãos como quem namora, nos primeiros dias de Primavera.
Há que saber esperar então, como se espera para olhar o pôr-do-sol. 
Esperar e olhar, como quem espera e olha atentamente a noite que não se conhece mas que se ama, ternamente. 
Como quem se senta de mansinho, apenas para ter um minuto do dia em que a beleza do mundo atinge o expoente máximo. Porque há de facto olhares, sorrisos e toques que só são mágicos quando vividos numa determinada atmosfera. ~
Porque há mesmo momentos que só são especiais quando acontecidos num certo contexto. 
Porque há coisas que são, acontecem e ficam, com simplicidade e inevitabilidade.

Tudo tem o seu tempo, tal como o nascer e o pôr-do-sol. 
Tal como o olhar a noite e ter esperado que as estrelas brilhassem. 
Tal como o olhar o invisível e saber que se encontrou o que estava perdido. 
Há coisas que são mais bonitas assim, daquela maneira, no seu tempo.

Assim, simplesmente.