25 de novembro de 2010

O morrer dos castelos.


Um dia imaginou um castelo, que edificou, que relatou, que escreveu... Hoje as ruínas dele são os meros vestígios que, ou o tempo ou as mágoas ainda não levaram. 
Como em tudo, o que prende a indecisão de reconstruir ou abandonar, é a autenticidade dos sonhos imaginados para aquele jardim repleto de memórias: um dia teria sido o palco de danças, viagens, melodias e projectos; um dia teria sido o êxtase de uma melodia a duas vozes que em uníssono se teriam mostrado infalíveis, elevando-se num plano maior que o mundo, já que o mundo não parecia suficiente para um sentimento tão épico.
É por isso que se debruça afogada em dúvidas sobre a cancela de madeira que veda o acesso ao coreto de pedra do castelo de outrora... não sabe se ainda deve sentar-se num dos bancos de pedra e esperar ou se ir caminhando, com os vestígios de um sonho para trás deixado. 
Ela que era uma princesa e, embora não tivesse o pendente perfeito que hoje procura encontrar, acreditou que a genuinidade dos seus sentimentos a protegeriam de qualquer desamor, de qualquer maçã vermelha ou roca amaldiçoada. 
Mas a vida não é um conto de fadas e os castelos hoje não existem. 
Hoje só há a princesa sentada, com um pé pronto a caminhar e uma mão presa no passado. 

22 de novembro de 2010

tudo bem.


Em jeito de baile de máscaras, há dias em que vestimos uma personagem que não é nossa... ou por necessidade ou por capricho, ou por vaidade ou por ilusão.
Muitas das vezes a máscara não vai além do sorriso que se devolve quando queríamos gritar em sons furiosos ou da expressão amigável que se responde ao invés da melodia estridente e dissonante que faríamos soar de acordo com as emoções alteradas.
Outras vezes junta-se ao sorriso complacente a expressão inocente do 'está tudo bem', que ao responder pretende ajudar à festa de duas maneiras distintas: lança o par de dança numa volta sem retorno e convence-nos a nós de que uma festa tem sempre música e por isso não pode ter só partes menos agradáveis.

Um 'tudo bem' bem treinado é um passo de dança infalível.
Deixa quem quer saber satisfeito ao mesmo tempo que nos livra da lista extensa de perguntas a que iríamos ter que responder caso a resposta fosse outra.
Com um 'tudo bem' as pessoas seguem os seus caminhos, orgulhosas pela pergunta amável e pela consciência serena. E nós ficamos contentes por não ficarem ali, a massacrarem-nos solene e dolorosamente, com mil perguntas nas quais não queremos sequer pensar.

É que quem pergunta ou não quer saber mesmo disso ou quer saber mais que isso. E a resposta é perfeita para os dois. Não se diz nada a quem quer saber mais do que pode e deve e nada se diz a quem também nada quer saber.

Fica toda a gente satisfeita com o par que recebe.
Apenas o anfitrião da festa, a quem cabe a máscara maior, com o peso de uma música desadequada, com um par desequilibrado e num espartilho apertado, que deixa a alma sufocada em dores que a máscara cobre.

18 de novembro de 2010

17 de novembro de 2010

enquanto esperava.

Hoje dei por mim a sorrir continuadamente enquanto observava um grupo considerável de crianças nas idades da pré-escola, que davam as três corridas que a educadora tinha autorizado, vestidos de xadrez amarelo, xadrez azul, xadrez vermelho e cheios de magia nos olhares.
Têm a curiosidade a exalar dos poros e não me pouparam ao olhar inquisitivo, sorrindo-me como convite para me juntar e fazendo as típicas caretas endiabradas de quem uma mão cheia para mostrar quando alguém pergunta pelo número de primaveras. 
Penso que o privilégio de ainda não terem que mostrar mais dedos é o tão simples facto de poderem dar as corridas, as três que a educadora deixa, as outras que ela finge não ver, os abraços que se dão sem porquês, as brigas instintivas e sem justificações válidas e dogmáticas... Podem agir sem ter que se justificar perante eles ou os outros porque a idade deixa que seja assim.
Dei por mim a sorrir porque sei que em tempos também eu fui assim, uma menina de corridas livres e serenas. 
Dei por mim a sorrir sinceramente porque se haveria lugar para sorrir assim seria perto de alguém que sorrindo, o faria genuinamente. 
E enquanto eu ali esperava para que chegasse a minha hora com o senhor da bata branca, dei por mim a sorrir e a desejar correr com eles, num impulso sem incoerência, num sopro mágico, num passe de genuinidade que há muito não se vive...
Só eu e os sonhos.

16 de novembro de 2010

love it.

Norah Jones - Rain


"-Se eu pudesse escolher, era contigo que eu ficava. 
-Porquê?
-Porque tu não és como todas as outras, és diferente, és melhor.
-Não funciona assim, não se pode escolher.
(...)
-Eu vou tomar conta de ti.
-Ah sim?
-Sim."

Mesmo que estas palavras percam metade do valor no décimo segundo após a sua estreia, nunca deixarão de ter o brilho conquistado durante dez segundos, em que quase devolviam o sentido a uma existência comandada e influenciada por contos de fadas, histórias de encantar e pela Anita.
Mas mesmo que meia dúzia de frases não mudem o mundo nem façam a vida parecer mais solarenga num dia cinzento, é impossível negar que quando foram lidas o céu tenha afastado as nuvens carregadas só para que o sol aquecesse por uns momentos aquele pedacinho estranho de alma que permanece estático em tons de mármore, imóvel e gelado. 

13 de novembro de 2010

Lá fora nasce o dia...



"Love hurts, love scars, love wounds' and most
Any heart not tough or strong enough
To take a lot of pain, take a lot of pain
(...)
I'm young, I know, but even so
I know a thing or two, I learned from you
I really learned a lot, really learned a lot
Love is like a flame it burns you when it's hot
(...)
Love is just a lie made to make you blue
Love hurts, oh, oh love hurts
Oh, oh, love hurts"



Lá fora começa o dia.

E pelo que ouvi não há mais ninguém a apreciar as primeiras horas claras desta manhã cinzenta.
Se é verdade que insónias nos deixam cansados, também é verdade que ao fim de muitos dias repetidos do processo começamos à procura de vantagens na desvantagem... 
Contemplar um amanhecer e assumir que se tem mais tempo para fazer o que quer que seja, ocupam os lugares cimeiros dessa lista que eu espero não completar.

thought.

12 de novembro de 2010

Já não são dias.



Tenho no bolso a poesia de um mundo irreal.
Conto-lhe histórias, ouço-lhe a respiração pausada, sonho-lhe os traços imortais...
E nesses pequenos rituais encontro a alquimia de uma infância de cor rosa.
Ou é a inocência de um pensamento ou a ternura no contemplar ou a ingenuidade na metafísica.

A poesia que me ocupa a algibeira não me deixou espaço para um mapa e dei por mim perdida nas contas que não fiz com o mundo real, oposto genuíno de uma poesia afável.
Digam que fui avisada do perigo inerente às cores com que pintei a história, digam que eu sabia de véspera para onde seguia a estrada, digam que sou eu quem caminha.
Já não é de hoje que as palavras me deixam a satisfação incompleta e nem de ontem é que a ingenuidade no amanhã pensado me deixa irrequieta e incomodada num compasso composto, sincopado.

O meu nome não era Alice mas eu achei que também combinava, pois que afinal as histórias de encantar não têm que ficar nos contos apenas, pois que afinal dizem que é assim que é.
O meu país nunca foi de maravilhas, mas eu achei que no futuro ia ser, pois que os sonhos não são só para sonhar, são para viver, para desejar, para querer...
O meu livro não começava por Anita, mas eu vi nele toda a melodia serena, toda a simplicidade encantadora, toda a magia terna que podia existir e que eu queria para mim.

Mas o bolso, repleto de uma composição poética inacreditável, pesa-me sem peso.
Deixa-me livre e acorrentada, num misto absurdo de pensamentos, de ambições, de indefinições... Prende-me à realidade, à desilusão, à mágoa de um passado.E liberta-me pela solidão, pela inexistência de satisfações, pela estrada livre que se estende.
Eu não quero ir sozinha. Mas o bolso vazio que me pesa sem pesar, diz-me sem rodeios que já não há com quem viajar.

E os dias sem viagens, os dias sem sono, os dias sem brilho... já não são dias.

11 de novembro de 2010

enquanto dormias.


O mundo gira, dizem, mas eu não o senti nunca girar, tirando daquela vez em que girou depressa e da outra em que me fez dançar, tirando as mil vezes em que me senti tonta por ele e as outras tantas em que de tanta volta me tive de sentar.
Mas fora isso, parece-me sereno, imóvel... um pouco pálido até. Não é senhor de muitas conversas e nunca se sentou comigo para um chá. 
Acho que é por isso que ainda não somos amigos. 
Faltou o chá, a bolacha de manteiga com um toque de canela e a conversa sincera que acaba com insultos e piadas intriguistas à mistura.


Afinal, para que a relação possa resultar é preciso haver diálogo e se eu quero viver neste mundo (ou pelo menos se a minha vida passa inicialmente por viver neste mundo), é preciso saber falar com ele, afagar-lhe a mão, levá-lo ao parque da cidade e comprar-lhe um postal que ele possa guardar. 

Então hoje, enquanto dormias, estive à conversa com o mundo e como éramos ainda dois estranhos, contei-lhe os meus pensamentos sem medo do que ele fosse pensar, porque como éramos estranhos o ponto ainda estava no zero e não se pode desiludir ninguém quando se está no ponto inicial, não é?

Falei-lhe das cartas que faltam no baralho ou visto de outro ponto, do baralho que falta nas cartas; contei-lhe dos muros que caíram nas estações passadas e nas folhas que o vento primordial de Outono espalhou consigo.
Disse-lhe do que mais sinto falta e percebemos logo que tínhamos assunto para mais encontros (que ao que parece somos os dois deveras saudosistas).
Mas foi quando lhe segredei, sem arrependimentos, que por algum motivo tinha perdido o norte e a orientação nas horas banais do dia, que ele confessou que também andava assim.
Pelos vistos o mundo está perdido, como eu.
E soube isto tudo, esta noite, enquanto tu e o resto das pessoas do mundo, dormiam.

9 de novembro de 2010

a pessoa.

Eu já acreditei que poderíamos encontrar a pessoa que idealizámos para ser felizes para sempre. Eu já acreditei que as pessoas tinham todas um fundo bom. Eu já acreditei que o amor seria sempre verdadeiro e vencedor.

Mas (que há quase sempre um 'mas') a vida mostrou-me que as histórias de encantar não são para todos. 
Homem alto, charmoso e cavalheiro, salva donzela de uma vida amargurada e vivem felizes para sempre? Não... nem por isso.

Ainda que se elabore uma lista de características que desejaríamos encontrar na pessoa que amamos, isso dificilmente coincidirá na totalidade porque aquilo que idealizamos, quando toca a pessoas e a personalidade, não é simples de moldar, de mudar, de consertar...

Mas se eu pudesse escolher...

Ele teria O olhar. Não queria saber nem de olhos castanhos ou verdes, seria apenas preciso que ele fosse capaz de me fazer sorrir e corar com o olhar, de me convidar a entrar assim que nos olhássemos.

Teria O sorriso, esguio e travesso, num misto de perigo, sedução e ternura, entre doce e proibido.
Precisaria de saber envolver-me as mãos e de brincar com elas, que as minhas mãos são a parte que eu mais gosto em mim, e ainda teria que saber como abraçar-me sem me magoar ou sem me deixar indiferente.

Saberia fazer-me sentir segura quando estivesse por perto.
Gostaria de música, de literatura, de cinema e de futebol. 
Saberia surpreender-me buscando-me para ir ver as estrelas num passeio a pé ou levando-me um poema e um ramo de flores acertando nas tulipas ou nas margaridas e sabendo que eu ficaria feliz se o poema tivesse sido escrito pelo próprio.
Lembrar-se-ia de me agradar sem motivo ou data, seria sempre honesto comigo e saberia como me dizer que eu estava a fazer as coisas erradas, de um modo errado, no tempo errado.

Seria um pouco o meu contra-balanço, revelando uma parte mais racional, teria o espírito de explorador e não me negaria os sonhos quando lhe contasse que adoraria viajar até à Escócia, ao Reino Unido, a Praga, a Itália, à Índia, a Nova Iorque, ao México...acrescentando pormenores ainda mais avassaladores à minha lista de desejos.
Convidar-me-ia para ir a concertos com a mesma facilidade que me viria pegar para comer um gelado de caramelo com pedaços de amêndoa.

Iria respeitar-me como eu fosse e seria sempre sincero, mesmo quando a verdade pudesse doer. 
Saberia apreciar-me, saberia ser ambicioso, saberia ser estupidamente e genuinamente divertido, saberia ser perspicaz e sedutor, com um toque de malicioso em determinadas ocasiões.

Iria fazer-me sentir importante comigo e para ele, lutaria por nós e dar-me-ia as cartas mais bonitas de amor.
Iria saber falar inglês, saberia tocar um instrumento e um dia escreveria uma canção para mim. Ou se fosse um pintor, pintar-me-ia um quadro. Ou sendo um escritor, escreveria um livro, um poema, um conto, para mim, de mim, comigo.

Seria mágico, simples, cúmplice, amigo, doce, sedutor, divertido, verdadeiro, consciente...
Conseguiria fazer com que eu me apaixonasse, todos os dias, de novo por ele. Como se cada dia fosse o primeiro. E amar-me-ia, todos os dias, incondicionalmente, de um modo único, mágico e exclusivo, sem precedentes.

Mas no fundo isto quase nunca interessa, porque quando se gosta de alguém que entra nas nossas vidas, dificilmente podemos escolher ou abdicar disso.
Se gostaríamos de primeiro observar os candidatos, aprovando-os ou não e depois saber que destino lhes dar? Gostaríamos.
Mas na verdade acontece ao contrário... 
Apaixonamo-nos, verificamos a lista de pontinhos que fomos criando ao longo dos tempos e depois eventualmente assumimos que tudo isso terá sido em vão e que o protótipo de pessoa certa nada tem a ver com isso.

É disso que se trata, não é? De uma surpresa? 

8 de novembro de 2010

insónias.


A primeira vez que o sono me falhou, de maneira forte e demarcada, sem querer ou razão, eu aproveitei para conhecer o meu quarto em horas tardias, explorar-lhe as novidades trazidas pela ausência de luz do momento, conhecê-lo com olhos de pessoa cansada mas sem vontade de dormir. É que ter vontade é diferente de ter necessidade.
Mais vezes se seguiram e ficando resumidas a número nenhum as novidades do meu canto, durante a noite, ficar acordada quando todo o mundo dorme e quando o corpo realmente precisa, deixou de fazer o pouco sentido que alguma vez tivera.
Como é ficar acordada enquanto todo o mundo dorme? E ver o nevoeiro que ninguém vê? E sentir a singularidade de um riso na rua que mais ninguém ouve? 
Eu sei-o, com maior frequência do que a que seria normal.
Talvez fosse até normal. Talvez eu pudesse manter este ritmo.
Mas não pode ser, não é? 
Pois não, que o Sol só brilha durante o dia e a noite só assim é quando o Sol se foi. 
Pode pois, que eu já tive um Sol que brilhasse tanto que as noites pareciam dias e os dias pareciam tulipas colhidas num abraço forte e eterno.
A questão está no sentido das coisas, no que elas têm e no que eventualmente lhe damos.
É isso que faz a diferença muitas vezes, quase tantas, como as vezes em que a diferença é feita não pelo sentido das coisas, mas pela sua falta.  

6 de novembro de 2010

o cair da folha.





A folhas caem em tons acastanhados e de amarelos outonais, como se fossem peças que se vão despindo aos poucos só para ver um pouco mais.
Mas no Outono não se quer ver um pouco mais... Quer-se sempre.
Só que os tons provocados ou pelo nevoeiro que cai à noite, ou pelo sentir de fumo das primeiras lareiras acesas, ou só pelo cair das folhas, provocam em nós essa vontade de ver mais.
Trocando a folha e sendo o tronco o mesmo, as árvores que preenchem as calçadas e os quintais da vila, continuam a ser as árvores que preenchem as calçadas e os quintas da vila.
Mas e nós, que queríamos ver mais, ao trocar e deixando cair as roupas que se espalham sem vento, seremos só nós, iguais a nós mesmos?
São as roupas as folhas, nós os troncos e o Outono a mudança?
Não.
Porque temos em nós todas as estações do ano, todos os dias, em cada sorriso ou em cada olhar, em cada sentir ou pensar.
O cair da folha só deixa a vontade de ver um pouco mais, de ir um pouco mais, de sentir um pouco mais...
Isso e a melodia de fundo que o cair da folha faz sentir, deixam em nós o panorama mais bonito para despir as roupas que nos apertam o ser.
É só deixá-las cair como caem as folhas.
Afinal todos os dias as folhas caem, quer seja Outono lá fora e Primavera cá dentro.

3 de novembro de 2010

"i wanna hold you so much"



Esta seria uma daquelas músicas perfeitas para acompanhar momentos memoráveis, capazes de realçar o melhor de um mundo demasiado pequeno para alcançar um estatuto de magnanimidade. É que são os momentos de magia, de cumplicidade, de espontaneidade que tornam o mundo mais colorido. 
Seria aquela música que daria voz a uma inexistência total de pensamentos, de razões... Só a música, só o pulsar de emoções, só os sentidos elevados a uma potência máxima.
Só a vida.

2 de novembro de 2010

a ida da morte.

Ás vezes a morte também morre. Sim, que a morte é tão mortal que se mata a si mesma.
E ela, logo ela que tem esse ar malévolo de quem ceifa vidas sem dois segundos precisar, morre como morrem as outras coisas susceptíveis disso mesmo.

Fecha os olhos e num último suspiro, perde forças e voa deste mundo para outro sítio que não se sabe e também ninguém quer saber, porque se já na vida ninguém quer saber da morte, na sua partida então ninguém a pretende seguir.
Não deixa saudades e ninguém fica com pena se ela perdeu a consciência nos últimos minutos de vida, se lhe doeu a cabeça ou o coração ou se alguém lhe segurou na mão até acabar. Afinal é a morte.
Mas lá porque morre não quer dizer que vá e não volte.
E morre de quê, pergunto-me e respondo eu.

Morre daquilo que formos capazes de a matar.
Afogada na panóplia de dias em que lhe escapamos para abusar dos limites de felicidade humana ou carbonizada no brilho alucinante dos sorrisos provocados pelas coisas mágicas da existência. Torturada pela força dos abraços apertados roubados ou oferecidos ou ainda atingida mortalmente por cada disparo provocado por danças frenéticas e espontâneas, vividas sem pensar.

Nem se escolhe a forma mais ou menos dolorosa porque quando se trata de matar a morte com os instantes oferecidos e roubados à plataforma mais alta de felicidade, não se quer pensar.

A morte, só porque é a morte, não exige que se pense com muita consideração, mas pelo menos morre sempre com dignidade.

Haverá melhor forma do que morrer pelos abraços sentidos e longos, pelos sorrisos provocados em altos padrões ou pelos olhares que de tão brilhantes que são conseguem inundar qualquer dia cinzento? 
Ou então porque não morrer do êxtase provocado por rodas que se dão enquanto se dança, porque não partir do mundo enquanto se envolve alguém num olhar e num toque suave e desafiante ou numa canção a uma voz que nos deixa capazes de harmonizar tudo o que dissona em  nós?

A morte morre, uma vez, duas vezes, três e muitas vezes, tantas quantas as vezes que a soubermos afastar de nós.
Morre de mansinho e retorna. 
Morre devagarinho e volta mais. 
Morre com cuidado e renasce. 
Morre a morte, sem nós, tantas vezes. 
E de cada vez que ela morre, sabemos porque morreu sem mesmo fazer autópsias macabras… Morreu porque vivemos mais próximo do limiar exponencial de felicidade, porque alcançámos os patamares mais brilhantes que apenas são permitidos às estrelas maiores.

1 de novembro de 2010



quantia certa.

O limiar entre a vontade e a coerência é ténue e complicado.
Como é que contornamos a voz intrometida que desponta em argumentos lógicos para seguir o impulso lascivo que se solta de todos os nossos milímetros corporais?

Medem forças, lado com lado, numa rivalidade ocasional.
Se puxam os dois para o mesmo lado, então o mundo é perfeito e pequeno para alcançarmos as metas. Se não, deixam simplesmente um estado de intermitência dolorosa. Ir ou não ir, fazer ou não fazer, aproveitar ou abdicar… São coisas que não se sabem, quando os nossos pólos, motores de acções, discutem entre si.

Dizer qual deve levar a melhor é complicado e quase nem vale o esforço de uma tentativa para desvendar a charada.
Se fosse um jogo, procurar-se-ia um empate, favorecendo ambas as equipas. Mas os jogos são coisas perigosas, com regras ou sem elas, com expectativas de parte a parte… o que nos torna a nós ou em jogadores profissionais ou em pessoas que cedem facilmente à atracção de um jogo assim, num jeito amador e desprotegido.

Sentir e pensar, lado a lado ou de costas contra costas, tantas vezes a deixar cair a vida em confusões, em indecisões, em não saberes, não quereres, não viveres.

Desatem-se os nós na razão, amarrem-se as cordas bambas em emoções… Dê-se equilíbrio à pessoa que somos, numa procura pelo mais certo, pelo melhor, pelo mais autêntico e próximo de um empate em nós. 

Empatando o dever com o querer, atingimos o auge da nossa realização… multiplicamos o prazer ao máximo e alcançamos o melhor que a vida tem, em cores várias, em formas múltiplas.

Basta isso, o empate. Dever e querer a uma só voz.