Aos olhos de quem vivia na terra, da terra e para a terra, isto nos tempos que já lá vão, as cartas de amor eram deprimentes e praticamente inexistentes. E facilmente se percebe. Que significado teria um pedaço de papel e letras pintadas, para quem, de mãos calejadas abre o invólucro da poesia, podendo ver o milagre da vida e do Criador, sempre e de perto?
Comparai a maior citação de amor ao simples pôr-do-sol e dizei-me de sua justiça o que de verdade parece mais autêntico, aos olhos de quem vive.
O príncipe, eterno apaixonado, permanecerá nos seus aposentos, cirandando e ditando as palavras que a sua donzela deverá ouvir. E alguém há-de lhe escrever essas palavras, alguém há-de selar o envelope e partir à socapa para entregar, como que um tesouro, à apaixonada do que ditou.
É um amor bonito, o poético. E estou certa que o amor verdadeiro não olha a formas.
Mas imaginai a época antiga.
Privilegiados eram os amantes do campo, que enamorados de uma moça lhe podiam mostrar o mundo ao invés de lhe escrever do sol, do mar, do vento e dos prados.
Camponeses, dariam as mãos, primeiro timidamente e depois, desajeitados, sem maneiras, porque a volúpia da procura atrapalharia os gestos. E contemplariam o que semeado estivesse, sempre juntos, com fervor no olhar.
Não teriam poesia a não ser toda aquela que sentiam.
O príncipe, dengoso, escrevê-la-ia. Encantaria os seus sonhos com as palavras. E depois, vivê-las-ia, talvez.
E um plebeu, afogado em fuligem, palha e pó, viveria o milagre da vida e do amor e ainda assim seria poesia.
A magia de um sentimento pode ser escrita e sentida nas palavras e os sonhadores apaixonar-se-ão, certamente.

Amemos, só.